a Sobre o tempo que passa: Será que a luta de classes está de regresso?

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

23.11.07

Será que a luta de classes está de regresso?


No Semanário, do passado dia 15, analisaram-se as limitações ao Estado Providência, a perda de direitos e regalias, a erosão dos salários, o aumento do desemprego, realidades que hoje se fazem sentir em muitos países da Europa, particularmente em Portugal, podem ser, a longo prazo, o gérmen de uma nova luta de classes, à luz dos conceitos marxistas. Ao lado de Jaime Nogueira Pinto, Joaquim Aguiar José Gil, Manuel Villaverde Cabral e Ivan Nunes, prestei o seguinte depoimento:


Também José Adelino Maltez não parece considerar que desponte uma nova luta de classes. Escreve este professor da Universidade Técnica de Lisboa: "O que agora temos é uma nova questão social, misturando problemas não resolvidos da velha questão social, que Jerónimo de Sousa ainda traduz no calão da velha luta de classes, com a emergência de uma nova realidade da governança sem governo, que tanto dizemos ser integração europeia como globalização.".


... começou por fazer o raio X ao Estado Providência: "O chamado "Estado Providência", ou, em termos gerais, a intervenção dos aparelhos de Estado na sociedade e na economia, tanto pode ser a resposta bismarckiana à questão social da segunda metade do século XIX que, em Portugal, foi traduzida pelo Estado Novo salazarento, com meio século de atraso, como o "Welfare State" do pós-guerra, do relatório Beveridge, que começou a ser traduzida entre nós com o marcelismo, pintando-se de vermelho pintasilguista com o PREC e a pós-revolução do Bloco Central, dita keynesiana."


... não deixa de elogiar Marx, o que só surpreende quem não o conhece bem. "Marx é um velho subsolo filosófico que a todos nos ilumina, mesmo a liberais como eu e nada tem a ver com as vulgatas neomarxianas do leninismo, do maoísmo. Até o velho Karl se insurgia contra as ideologias de conserva, dizendo que não era marxista. Na prática, a teoria é outra, porque, sobretudo em Estados da nossa dimensão, a maioria dos factores de poder já não são nacionais, e os governos são meras pilotagens automáticas que só podem garantir as independências nacionais se conseguirem gerir dependências e interdependências. Pena é que não reparem na velha lição segundo a qual os problemas económicos só podem resolver-se com medidas económicas, mas não apenas com medidas económicas. Isto é, só se conseguirem repolitizar os velhos Estados, libertando-se das adiposas gorduras de aparelhos que foram feitos para dar resposta à velha questão social, mas que não admitem que a nova questão social implica a meritocracia e a consequente avaliação das competências, segundo o critério da justiça e não da inveja igualitária."


Na edição de hoje, continua o depoimento, agora sobre a eventual ortodoxia do PCP, aparecendo mais estas declarações da minha autoria:


"Ainda bem que Jerónimo de Sousa quer manter intacto o museu do neo-realismo. De outra forma, a UNESCO, em nome da defesa da ecologia, tinha que declarar o PCP como património da humanidade. O cunhalismo ortodoxo e as festas do Avante são como o fado, as peregrinações a Fátima ou as marchas populares de Lisboa. Destruí-los seria atentar contra a nossa identidade profunda. E os comunistas portugueses até agradecem a queda do muro e a implosão da URSS. Agora podem ser mesmo comunistas de sonho."