a Sobre o tempo que passa: maio 2010

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

31.5.10

Em memória de Campos Lima e do anarco-sindicalismo místico


Anteontem foi dia de manife e Carvalho da Silva. Ontem foi dia de Alegre ser apoiado por ser progressista. Hoje, volta a ser dia de Mourinho, de camionistas e de uma notícia engraçada: "radicais fizeram emboscada à polícia", isto é, "grupos anarquistas, libertários e anarco-sindicalistas"..

Certas palavras que exprimem conceitos são nomes que, na verdade, não correspondem à coisa nomeada. "Progressista" era nome de um dos partidos do rotativismo monárquico, extinto em 1910. "Radical" é o qualificativo assumido pelo actual governo britânico, de maioria conservadora...

"Anarquista", então, serve para tudo. Para que especialistas securitários falem em guerrilha urbana. Para que o centralismo democrático da Inter colabore directamente com a polícia que já teve como comandante Ferreira do Amaral. E, sobretudo, para que se insulte a memória da CGT e do jornal diário que emitiu "A Batalha"...parece um discurso racha-sindicalista!

Por isso, fui reler em cumplicidade de coração os escritos, sonhos e memórias de Alexandre Vieira e Campos Lima, que retirei da estante, para não poder ser alheio à energia que brota do obreirismo e tem que que respeitar o esforço e a autenticidade da manifestação de sábado. O tipógrafo em causa era anarquista e jornalista de "A Batalha".

"A Batalha" era o jornal diário da central anarco-sindicalista da nossa I República. Pela respectiva redacção também começaram a escrever tipos como Ferreira de Castro (sim, o autor de "A Selva), ou o historiador santomoense Mário Domingues. Anarquistas destes, venham eles!

Anarquista começou por ser esse belo poeta Afonso Lopes Vieira, sim o autor do poema do "A 13 de Maio na Cova de Iria". Era do anarquismo místico que bebeu em Tolstoi, aquela mesma fonte a que nunca deixou de ser fiel um tal de Mahatma Ghandi... a polícia britânica chegou a utilizar a mesma adjectivação para nele malhar...

Anarquista se continuou a qualificar Sampaio Bruno, como quase todo o socialismo utópico, na senda de Proudhon, sem o qual não havia Europa, federalismo, sindicalismo, socialismo democrático, comunitarismo e outras coisas mais, incluindo Salvador Dali, "anrquista, mas monárquico"...

Uma coisa é a boa organização da última manife, com elogios devidos a PSP e a Inter, até na repressão de quem quis estragar esse acto cívico pelo violentismo. Outra é arranjar adjectivos insultuosos para as mais belas correntes de pensamento da Europa e do Mundo. Eu que não rejeito essas raízes, protesto!

Democracia não é paz dos cemitérios, é institucionalização dos conflitos, é assumirmos convergências e divergências, em sucessivas emergências, sem nunca haver síntese do fim da história, mas novas convergências e novas divergências, em estádios de complexidade crescente, onde se cresce para cima e para dentro.

Foi assim que olhei para a última manife. Para ver, ouvir e ler os sinais do tempo. Estamos enredados em fragmentos e nenhum dos fragmentos do país que se manifesta tem suficiente força para se assumir como dominante. Logo, quanto mais fragmentação, mais necessidade temos de negociação, para que se estabeleça um qualquer consenso mobilizador.

A Inter demonstrou que é bem mais do que a percentagem do PCP em eleições e sondagens. Em lugar de continuar a ser, como nos tempos da Guerra Fria, uma correia de transmissão do Partido, talvez tenha transformado o PCP no seu braço político no parlamento. Isto é, voltou às duplas origens.

CGTP-Intersindical tem a ver com a fundação do PCP em 1921. Na dissidência da central anarco-sindicalista, dita federação maximalista. Na criação clandestinamente concedida pelo marcelismo de uma semente coordenadora sindicalista, onde a maioria dos activistas até vinha da JOC (Juventude Operária Católica)...

Tenho pena que a central alternativa, nascida contra a unicidade, a UGT prefira ser ministra do trabalho, contra a contestação e pela concertação. Precisa mesmo de conserto...

A Inter pode não representar a esperança da maioria dos trabalhadores por conta de outrém, mas não era bom para Portugal que esta força viva não fosse escutada e contratualizada para bem de Portugal. Precisamos, urgentemente, de baralhar e dar de novo ("new deal"), de um contrato refundador da democracia, ainda nos quadros deste regime!

*Para os devidos efeitos de ficha policial, confesso o meu passado curricular sindicalista: activista de comissão de trabalhadores, sujeito a despacho proibitivo de declarações públicas pelo senhor ministro, por acaso chamado António Barreto, então do PS; candidato à direcção do primeiro sindicato da função pública que só foi vencido pelo PCP porque o PS não conseguiu livrar-se dos trotskistas que o enredavam, apesar dos esforços unitários de António Guterres; fundador de um sindicato da UGT, ainda em actividade. A foto é de J. E. Campos Lima, saneado, por persiganga política, da Faculdade de Direito de Lisboa, mas autor de uma bela tese que editou em 1914: "O Estado e a Evolução do Direito". Confesso também que já fiz várias greves, mesmo as declaradas pela Inter. Numa das últimas, já catedrático, fui o único da minha escola e até tive de apresentar requerimento formal...

28.5.10

A valsa que somos obrigados a dançar pelos credores internacionais


Moody's baixa a nossa querida taxa de "rating" e União Europeia diz que a "golden share" da PT não está de acordo com o direito supra-estatal da Europa... Más notícias para o esforço exportador de Sócrates e já nem serve para que ele se exporte a si mesmo da função onde resiste...

No plano do cenarismo doméstico, PSD aparece, nas sondagens, com 44%, contra 28% do PS e três 7% para CDS, BE e PCP. Isto é, se Bloco Central dançasse o tango teria maioria mais do que absoluta. Mas a direita volta a ser maior do que a esquerda, CDS desce desce para metade das expectativas e a esquerda à esquerda do PS baixa para dois terços...

Perante isto, as recandidaturas a presidente soam a campeonato de danças de salão na Sociedade dos Alunos de Apolo, com directos na RTP Memória, mas sem os acordes do neo-realismo heróico de Fernando Lopes Graça, com o seu D. Sebastião científico...

Passos Coelho parece não ter sido pisado com a valsa que foi obrigado a dançar pelos credores internacionais, atrás de Sócrates. E porque deve ter estudos sondajocráticos quase diários, deu uma no tango e outra no Rock'in Rio...

A coligação situacionista já não controla as forças vivas e a casta banco-burocrática que davam a Sócrates a missão de ensaiador da marchinha popular deste bairro. Não chega somar Daniel Proença de Carvalho com José Miguel Júdice, ou Joe Berardo com Morais Cabral. A música já é outra, virou o disco e já não toca o mesmo. Anda tudo a toque de caixa, a caminho do rancho...

Uma travessia no século: bom dia pé! De Teresa Vieira


Uma travessia no século: bom dia pé!

Quando o messianismo desaparece pode-se reconhecer também o quanto África pode ser o futuro.

O continente da fome e das feridas abertas a muitas indiferenças do ocidente, pode auxiliar também a democracia, inclusive para que esta sobreviva às ilusões e, quem sabe, se a essência dela poderá encontrar os seus mais fecundos fundamentos, na legitimidade que África pode ter com os benefícios da mola desta forma de exercício do poder.

A contribuição de uma nova África para com as sociedades também sem tranquilidade histórica, não obstante as aparências, pode mostrar-se o preenchimento de uma falta universal que é a da solidariedade real

A bofetada de luva viria da Africa-Mulher-Mãe de Consistência. Viria de um povo pouco escutado e só visto a bater-se e a morrer em campos minados e nunca desvitalizados de um poder à escala mundial.

Em África o potencial de reivindicação dos povos é impressionante e não pode perder-se numa violência que contradiz os direitos que muitos anseiam ver concretizados.

Tenho para mim que África é um foco de universalidade e de universidade, no sentido de que constitui um futuro que pode emergir numa sensibilidade ao direito que é, sem dúvida, índice de um pensamento universal.

Não pode África, neste papel nuclear de potenciar passagens de futuro, compactuar com as rotas do dinheiro fácil, abertas sem fronteiras à destruição e anulação dos próprios povos.

Em África o pão e a culpa desmentem a igualdade no tratamento humano, mas África, a África rica, pode espalhar-se pelos seus filhos e em qualquer mundo num manifesto alternativo.

Cremos que o futuro da humanidade não passará tanto pelas novas descobertas científicas, mas sim pela utilização do já conhecido ao serviço de todos.

Só as sociedades alienadas se resignam àquilo em que a tecnologia as transforma. Assim é tempo de ajudar os homens a reencontrarem-se e a construírem um futuro à sua medida. É tempo de pararem as explosões sociais incontroláveis que apenas se impõem pela violência.

Talvez que Portugal possa ser uma síntese de esperança se compreendeu a falência das planificações centralizadas ou a opressão do consumismo apesar da utilização maniqueísta dessas duas realidades.

Camus, Lefort, Merleau Ponty, Levi-Stauss, Castoriadis, todos eles sacralizaram as revoltas, mas em verdade se diga que acima desta perspectiva se encontrava o levar o homem à construção do grande caminho inacabado.

É neste sentido que se refere a síntese da esperança que acima se mencionou.

É necessário também que África se recorde do Portugal de hoje e que ofereça sem raivas, a medida em que as aspirações de um mundo similar nos une e, reconheça também o continente africano, o quanto tem sido co-responsável por rupturas suicidas e pela destruição inútil de milhões de seres humanos.

Não basta propor o sol, o vento, o mar. O mundo não pára como um relógio nos entretantos das reparações de que carece.

O sentido do tempo e do instante fazem a diferença entre evolução e ruptura.

Recordo Kafka:

Os leopardos invadiram e beberam o vinho dos vasos sagrados. Esse incidente repetiu-se com frequência. Por fim, chegou-se a calcular, de antemão, a hora do aparecimento das feras. E a invasão dos leopardos foi incorporada ao ritual.

Todos somos chamados às responsabilidades, e sobretudo os celestiais seres da perfeição, aqueles que se colocaram à margem dos erros cometidos. E foram muitos, diria mesmo que sobre esses nem os juízos de valor cuidam em horas de férias.

O grande esforço de libertação é o de nos libertarmos do medo à liberdade.

Agora mais do que nunca, deve surgir também um Brasil alternativo, generoso, imaginativo, um Brasil que não marginalize o próprio povo, que não se abrace em festas irreflectidas, um Brasil que não vacile nos conclaves destruidores de cada lugar-centro de vida.

Há uma Lua belíssima que nasce todas as noites nos países de língua portuguesa. É uma Lua cujos reflexos por entre as terras mais remotas, os mares e os néons, dá as mãos e saúda as falações destes povos cuja morada é a língua portuguesa e que se não despede nunca, antes é o canal ou a reza de um terço que jamais se separará das suas contas.

E Brasil também é África, tal como a Europa também é mundo e tal como o mundo é uno num grosso volume de caminhos.

Todos sabemos ou sentimos que não queremos sociedades sem tranquilidade histórica. Quase todos preferimos que Deus venha quando alguém está pronto. E é nesta alquímica oportunidade que a vida pode ter momentos inesquecíveis enquanto templo de cada um.

À la recherche du temps perdu como uma procura de liberdade condicional? Não!

Não! à falta de estrutura humana. Não às exiguidades disponíveis! Não ao ficarmo-nos pelos sonhos dos outros.

Depois de nados-mortos todos os imperialismos há que prosperar e desenvolver os canais de um tempo à frente. De um tempo sem colonização da publicidade, de um tempo sem entupimentos das economias, um tempo como dizia John Sharkey em que as pedras com buracos eram colocadas à entrada das câmaras funerárias: símbolo da passagem do nascimento.

E África num mundo de pé direito alto na sua primordialidade, na sua anterioridade, num outro processo de iniciação de mãos dadas ao mundo, para que ela, enquanto mundo se analise, e nós através dela numa experiência que a todos pasma, possamos perguntar: quem tem medo de uma nova filosofia da economia?

E dizer todos os dias pela manhã, como um dia li : bom dia pé! Que bom que é ter um pé, isto é dois.

E a voz disse:

Sei que morrerei na esperança, mas essa esperança é preciso fundamentá-la.

M. Teresa B. Vieira

27.05.10

26.5.10

Das vacas magras, sagradas ou gordinhas...


Os economistas mais escutados fazem prognóstico depois da crise e já reconhecem o óbvio da imposição externa e da falta de margem de manobra dos factores nacionais de poder. Nenhum sabe conjugar a palavra pátria e esta pode ser aprisionada pela música celestial de Pilatos e de outros que lavam as culpas com discursos.

Os discursos contra os especuladores são pássaros que voam na ilha da utopia. Preferia ter passarinhos na mão. O preço pode ser o máximo de sagrado na religião da economia. E não há mercado para quem não assume a liturgia da confiança no outro e na palavra do outro.

Foi o capitalismo especulador que nos permitiu a ascensão ao clube dos mais ricos do mundo, sem que a nossa sabedoria e a nossa produtividade efectivamente o merecessem. Foi uma escolha geopolítica que nos permitiu esse máximo de prazer com o mínimo de dor que foi a descolonização e a integração na CEE...

As vacas sagradas foram dois terços de remediados, entre papa-reformas e a protecção do bom e velho Estado, com um terço de excluídos que, apesar de tudo, votaram as maiorias do especulativo, como as de Cavaco, Guterres e Sócrates...

Neste momento de encruzilhada, quando muitos visionam o tremendismo das vacas magras, há quem, como eu, profetize que a geopolítica pode ainda livrar-nos do preço que, se houvesse justiça nas relações internacionais, deveríamos pagar por causa de pecados cometidos por omissão com justa causa...

Os erros de um aparelho de Estado, com muita banha, pouco músculo e quase ausência de nervo e cérebro, podem também aplicar-se ao mundo empresarial, feito à imagem e semelhança do primeiro, e ao colaboracionismo da chamada autonomia da sociedade civil com a partidocracia dominante.

Ao contrário do que proclamam certos criadores de cenários, apocalípticos, economicistas ou politiqueiros, o que temos é de dar estratégia ao nosso tradicional desenrascanço, nesse misto de aventura e pragmatismo que sempre nos deu identidade, permitindo sucessivas refundações de Portugal. Basta cultivarmos a ciência da criatividade, com os pés na dívida...

Os donos do poder interno, calculando cenários até pensam que se aviam com o pantagruel de um bloco central que deu limitados frutos há mais de um quarto de séculos, antes da CEE e do euro... Portugal já não é esse país dos engenheiros macromonetários e que agora dão aulas de saudosismo, pensando que tal é macro-economia...

Os donos do poder continuam encantados pelos velhos do restolho, do partido dos fidalgos, esses que temem o risco de navegar e preferem segurar-se entre as querelas do professor pardal e do professor manitu...

A reforma da ciência e da universidade, a que levou o cheque tecnológico ao ministério da economia, bem pode amar e odiar, colaborar ou sanear os ausentes-presentes e os caçadores de comendas e honrarias que geraram o presente neofeudalismo do sindicato das citações mútuas desta sociedade de corte...

Ficou o permanecente das viradeiras, este arquipélago de gestores endogâmicos que, em nome da autonomia financeira e do "outsourcing", controlam a mesa do orçamento através do clientelismo, do carreirismo e do cacete, típicos dos micro-atoritarismos sub-estatais que poluem a democracia...

O aparelho de Estado, da administração directa e indirecta, bem como os mecanismos contratualizados pelas políticas públicas são bens escassos que devem ser tratados sem o folclore do exibicionismo dos pequenos teatros de estadão, com beberete, croquete e outros rituais despesistas que ofendem a ética republicana, enquanto sinónimo de serviço público, com saúde e fraternidade, a bem da nação

24.5.10

Entre ausentes-presentes e presentes-ausentes, com baboselas e vuvuzelas


Confisco, bancarrota, violência, extorsão, situação explosiva, são palavras agora usadas por políticos e banqueiros, para que haja, estabilidade, governabilidade, reeleição, mas desde que as crianças não sofram na sua alimentação com os pais desempregados. Vale-nos que Mourinho é bicampeão, enquanto Ronaldo lá veio do além, em helicóptero, mas não salvou os que se afogaram, porque ainda não chegámos à época balnear nem à dos incêndios, onde não convém que voltemos a ser gregos.

Acordo com o enlatado das novas de fim-se-semana e noto Jerónimo de piroscoice, misturando os velhos ideais do materialismo dialéctico com provérbios de plebeísmos estrategicamente escolhidos pelo chamado centralismo democrático do colectivo dos revolucionários profissionais. Intelectuais orgânicos, precisam-se, na Soeiro Pereira Gomes!

Já Professor Louçã manda piada de mau-gosto sobre a descida do representante de Deus na terra, à boa maneira do velho jacobinismo naturalista e do positivismo ateu. O catolaico de serviço, o Professor Pureza, bem o aconselhou a só invocar a capela do Rato, para que o milagre trotskista da multiplicação dos votos se tornasse viável...

Mas os resistentes da capela do Rato talvez não mereçam este palavreado de intolerância, porque foi contra isto mesmo que eles se revoltaram...

Na falta de campeonato e de ligas, os directos da Covilhã usam e abusam do esquema futeboleiro. Para que se justifiquem os investimentos mediáticos, os órgãos de comunicação e os repórteres especializados criam artificialmente necessidades para o não-zapping, antes da abertura da época da caça grossa na África Austral...

Apenas recordo que em 2004, a final do europeu, neste cantinho ocidental dos estádios promovidos por Carlos Cruz, Sócrates e Madail, foi entre a Grécia e Portugal. Havia bons profissionais da comunicação, bons políticos profissionais e bons ex-políticos profissionais nesse bloco central dos elefantes brancos que nos endividaram em trombas...

Tenho saudades de uma esquerda pluralista e socialista, herdeira do liberalismo político, do 25 de Abril que resistiu com o 25 de Novembro, dessa que devia libertar o PS destes fardos de ausentes-presentes e de presentes-ausentes, até porque o partido não existe para a literatura de justificação de Soares por causa de candidaturas presidenciais desencadeadas pelo Bloco de Esquerda, a não ser que tudo seja um esquema visando o apoio à recandidatura de Cavaco...

21.5.10

A teoria do escorpião, ou o gajo porreiro vestido de animal feroz...


As trapalhadas do PS em matérias de comunicação social são típicas de certa mania das grandezas, desde quando os soarismo perdeu a humildade do jornal "República" e o sentido libertacionista de Raul Rego, enveredando pelos macaísmos das Emaudios...

Se calhar, os materiais provenientes da comarca do Baixo Vouga têm a dimensão delirante, típica dos meandros imaginados por Rui Mateus, mesmo que eles revelem o óbvio da tradição soarenta, ainda que disfarçada de de zapaterização

O PS sempre sonhou em ter o seu Balsemão. Até Monjardino chegou a receber de D. José Policarpo o legado da sonhada Televisão da Igreja (TVI), onde Roberto Carneiro e Zé Ribeiro e Castro deram a inevitável raia... depois do cavaquismo tentar a solução salomónica que afectou Daniel, de novo na ribalta, fazendo jus ao que Francisco Sá Carneiro dele disse em directo, no governo de Mota Pinto.

Infelizmente para o pluralismo, o PS nem sequer conseguiu ter hoje uma espécie de "A Luta", dado que muitas defesas do situacionismo se confundem com as tolices salazarentas dos editoriais do "Diário da Manhã", do "Novidades" e de "A Voz". E a tentação de PS, bem como de PSD, controlarem as grelhas dos telejornais da RTP já pertence ao anedotário nacional...

Até nem é por acaso que o cargo de secretário de estado da comunicação social ia queimando para sempre um tipo liberdadeiro como Manuel Alegre, obrigado que foi a manchar o seu nome histórico com o encerramento do glorioso jornal "O Século" e de revistas como a "Vida Mundial"...

O único controleirismo que tem algum êxito, falhadas as tentativas do PS e da Igreja Católica de não cumprirem a respectiva natureza, talvez esteja no modelo madeirense de Alberto João...

Restam as antigas homilias de Marcelo Rebelo de Sousa e de António Vitorino, embora Marcelo tenha o jornalismo na massa do sangue e não precise de pacto feudal para ter luz própria, como, certamente, o continuará a demonstrar...

E quando alguns denunciam o "Prós e Contras" como agente do governamentalismo vigente, estão a ser injustos para a equipa de Fátima Campos Ferreira, porque seria absurdo colocá-la no lado inverso do programa "Plano Inclinado" de Mário Crespo e Medina Carreira. Pior: seria mais injusto para esta última novidade televisiva.

Para se ter algum êxito com duração, é preciso o equilíbrio que sempre conseguiu manter a Rádio Renascença, combinando doutrina com liberdade de informação, editorial com jornalismo profissional e até história de martírio com apoio popular à libertação, com o PS histórico na linha da frente da resistência...

A patente falta de autenticidade do discurso de certo situacionismo, que até faz naufragar vozes de grande qualidade, que têm tido a honradez de não traírem as respectivas opções e concepções do mundo e da vida, como, por exemplo, Emídio Rangel, tem levado a um exagero de teorias da conspiração...

Por isso, louvo os dois deputados em roda livre que ontem saltaram para as parangonas, como esse grande senhor que é Mota Amaral e o mestre Pacheco Pereira, dado que ninguém que os conheça e compreenda pode reduzi-los à dimensão de vozes de um qualquer dono...

Não vamos é aproveitar uma comissão de inquérito para não enfrentarmos o problema maior, o da crise da administração da justiça em nome do povo, só porque os magistrados de Aveiro cumpriram a sua missão e encravaram um sistema bloqueado por personalizações do poder...

Entre academias do bacalhau e dos pastéis de nata, nunca tantas foram as mesas de comensais e os estreitos círculos de comadres e compadres que, a si mesmos, se consideram como detentores do monopólio da inteligência pátria, a tal que eles reduzem à comenda e à honraria de lata...

Nunca tão poucos acumularam tantos altares, para nos comerem a papa, violando as massas com a vaidade e a inveja que os guindaram a papadores. Mas um país intelectualmente unânime numa reverência feudal já não será país, continuará gado engordado a caminho do talho da história...

Entre os presidentes de junta em funções, que dão nome a estádio, conselhos superiores que fazem estátutas, toponímia, comendas e quadros a óleo, a decadência pensa que se perpetua neste barroco dos papa-reformas e tachos, acumulando em vida, aquilo que que a lei da história nem em notas de pé-de-página registará. Aqui, Roma paga aos traidores!

Às vezes, o escorpião acaba por morrer com o seu próprio veneno...

O Saber no Intemporal. De Teresa Vieira


O SABER NO INTEMPORAL: Aqui vos deixo ALEXANDRE O’NEILL

(Tenho para mim que a poesia de O’Neill não se quis Dulce, antes desprendida de regras e convenções e tendo muito artesanato na palavra.

M. Teresa B. Vieira)

Trocar a bicicleta por comida não é de bom ciclista.

Tambor ensurdecedor, ensurdecido, dói-nos na pele, não no ouvido.

Regra para os lojistas: Não pôr os cotovelos no balcão.

Cidália, princesa de três bairros, baixou de golpe a bandeira, dando a partida para o Rali dos Ratos.

No comboio havia um compartimento especial para tímidos, mas estava sempre ocupado.

Enquanto os filósofos etiquetam, os relógios tiquetaqueiam.

Não se lavou duas vezes no mesmo rio. Nunca se lavou.

Não a vendo nem a remendo. Doa a quem doer.

Os fins justificam os meios se os meios forem bons fins.

Mitologia patriótica: Suplício de Tântalo, mas com água da Companhia e fruta da Cooperativa de Fruticultores.

Olhava-se ao espelho pelo buraco da fechadura.

Ao reparar que a banheira estava cheia de água (…) comandou: «Primeiro, os velhos e as crianças!». Então, um velho e uma criança lançaram-se à água e, à falta de outro apoio, agarraram-se aos bordos da banheira, que lá foi derivando.


OS BOTÕES

« - A pena de morte é a única solução para muitos casos. E o próprio juiz e o júri é que carregam, todos ao mesmo tempo, nos botões e um deles liquida o condenado».

20.5.10

Lá vem a nau catrineta, que não tem nada para contar...a não ser delírios em noite que cheira a Verão


Passos Coelho entrevistadeu-se. Muito simpático, muito bom aluno, muito cordato, procurando o círculo dentro do quadrado, o quadrado no círculo, circulando, quadradizando...

Apenas confirmou que há Bruxelas e que, por enquanto, nada de crise política, nada de eleições, só boa fé e os relatórios mensais e trimestrais da UTAO, essa entidade mágica que é o que é, e não tem tempo para ser reforçada, a não ser que peça mais um relatório ao Banco de Portugal, que é tão ou mais independente e que já nisso deu raia...

Um dia, no PREC, Almeida Santos, quando ainda era Necas, qualificou-nos como um manicómio em autogestão. Agora, tudo como dantes, com os gestores Sócrates e Cavaco, mais os socratinhos, mais os cavaquinhos, o Afeganistão, o cavaquistão e o país das maravilhas. Até Jorge Coelho diz que só um maluco é que agora pode dedicar-se à política...

Registem-se as palavras emitidas por Belmiro, Salgueiro, Ferraz ou Ulrich. Onde se denunciam a falta de verdade, a falta de juízo e o inverosímil de altos responsáveis políticos...

Que ministros e secretários de Estado continuam respectivo desfile. Secretário de Estado das arcadas diz que os impostos serão retroactivos, Sócrates desmente. E muito bem, mesmo sem reler a análise orgânica da constitucionalidade quando foi do confisco do 13º mês de Soares, citando um financeiro dos tempos da I República que foi quem faz da ditadura um estado novo... Mas nosso Primeiro já nem se dá à maçada de desmentir Mendonça. A Corte precisa mesmo de ministros como Mendonça, para que Jorge Coelho diga que não regressa à política...

E o grande Concílio da Banca decidiu fazer mesmo contas e mandou-nos mudar de vida. "Radicalmente". O BPI levou a coisa à risca e já diz que não vai mesmo servir de intermediário financiador das grandes obras socráticas, do TGV à terceira travessia...nem sequer da auto-estrada que vai de Sines para Beja...

Por mim, gostei imenso de ver aquele ministro cavaquista, feito pelo governo de Sócrates presidente da Caixa, ainda nossa, falar em mudar da dita, para que se pratiquem as reformas necessárias. Fui logo à estante tirar o pó ao manifesto do banqueiro anarquista...

Entretanto, Pôncio Pilatos, governador do reino por vontade estranha, a do império, liberta Barrabás, prefere lavar as mãos e permite a crucificação de quem não devia, no tempo em que também ainda havia penas pesadas para ladrões, incluindo os bons malandros...

Vale-nos o Moirinho, que nem por causa do nome deixou de ser recrutado pelo Pinto que costuma vê-los na Costa, como nosso vingador, que venceu mais torneios do que o Magriço. E aquela corneta cor de laranja com que vamos soprando as frustrações que nos elevam da Covilhã à terra de Mandela, pois mandalas é que nos fazem falta. Soprai, soprai, como manda o reclame da Galp!...

As notícias continuam a explodir, revelando uma turbulência de quase "out of control". A nau do Estado pode ter timoneiros e candidatos rotativos ao posto, mas não sei se já tem leme. Até o GPS, que permitia a pilotagem automática da governança sem governo, parece avariado e tem de fazer "upload" directamente nas Caves da Barroseira...

Há nuvens de cinza arrastadas do além que não nos deixam navegar à vista da costa, a dos mouros, e, no mastro real, os gajeiros do costume já não são tão porreiros. A nau catrineta já não tem muito que contar...

Pena que o TGV se fique pelo poceiro das boa intenções. Que o aeroporto seja um barrete verde. E que a terceira travessia não seja a do quinto império, aproveitando o que já está feito no Bugio. Nesse Tagus que não é "park", nem porto que seja "free", mas mar da palha de Abrantes, sem quartel-general, como dantes. Nem manifesto antidantes...

Pedimos desculpa pela interrupção. O programa do mais do mesmo segue dentro de momentos, mesmo que já nos dêem pelo fiado, para as obras de Santa Engrácia...

Por trapalhadas de menos desculpas s.a.r.l., bem de somenos, pôs Sampaio Santana a andar. Claro que o líder da oposição vai passar entre os pingos de chuva, dado que nosso anticiclone e a "mainstream", dita do Gulf, já nos dão sinais de Verão que, em plena época dos incêndios, terá, pelo menos, três relatórios da UTAO, já reforçada, com as verbas que estavam afectas à sala de fumo de São Bento!

18.5.10

Da montanha que deu à luz mais um ratinho, depois de gémitos tremendos ajoelhados


O estado a que chegámos volta a parecer uma espécie de cão de guarda dos interesses, continuando a ser alimentado por impostos. Enquanto o povo não voltar a ser a principal das forças vivas, as castas que controlam e pressionam os donos do poder até mantêm a ilusão de domar a própria democracia.

Segundo nossa eminência, em portinhol falando, não há bloco central, mas apenas um "parceiro patriota e responsável" com quem quer "danzar el tango". Parafraseando Barroso, apenas peço que não nos deixem de "tanga". A bailados destes, não há cooperativa que resista, nem a da mula do Max, que este, ao menos, sempre nos dava o bailinho da Madeira...

Cavaco Silva acaba de ser colocado ao nível de Jorge Lacão. E ministro diz que lei não vetada, mas denunciada, é tão pioneira quanto o foi o diploma de 1867, que aboliu a pena de morte. Ambos glosam equívocos sons de Max Weber, que ficam sempre bem em discurso da Razão de Estado e que misturam ética com convicção e responsabilidade...

A subtil distinção weberiana, nas suas categorias originais, equipara a ética da responsabilidade a Maquiavel e a da convicção, ao que viria a ser Ghandi. Por outras palavras, presidente preferiu a salvação da cidade, ao que especulou sobre a salvação de sua alma, ainda a semana passada benzida e genuflectida. Por coisa idêntica a tal angústia, rei Balduíno da Bélgica abdicou temporariamente...

Invocando a circunstância da presente situação de emergência, redita como potencialmente explosiva, apenas emitiu grito de alma com geasto de pólvora seca, deixando que o respectivo eu submergisse e com muitos exemplos de direito comparado. Seria mais convicto tê-la emitido, não da montanha cheia de ratinhos suburbanos, mas antes, ou durante, a peregrinação de Bento XVI e sem subentendidos de aula de macro-economia.

Sobre a coisa promulgada, a minha alma diz que a matéria do casamento de homossexuais dever ser mesmo casamento de homossexuais com outro nome e não este exercício de abstracção e generalidade, bem construtivistas, ao meter num contrato o que, de acordo com o direito romano, bem antes do direito canónico, deveria ser uma instituição. Continuo a preferir soluções à inglesa, à sueca e à francesa!

Já quanto à convicção dos católicos, sugiro que assumam a autonomia do direito canónico, incluindo a dos tribunais eclesiásticos, repensando a concordata. Porque foi a confusão entre política e religião e certa religião com a sociedade que adiou aquilo que era há muito urgência de não-discriminação. O atraso talvez tenha gerado uma pouco pioneira pior emenda do que o soneto, ao contrário do que aconteceu em 1867.

17.5.10

Depois da casa roubada, trancas na porta...


Acabou o futebol, acabou fátima e vai-se trilhando o fado do desencanto. Soares elogia o sentido de Estado de Passos Coelho, Gilberto Madaíl volta a ser entrevistado, assim demonstrando como é directamente proporcional a Sócrates, na construção de estádios que elefantes brancos. E todos têm como herói Zeinal Bava, esse resistente.

Porque nem trabalhando ao domingo a comissão parlamentar de inquérito conseguiu demonstrar uma conspiração. Mesmo que esta tenha existido, não deixou rasto captável, a não ser pelo CSI. Como se tal não fosse uma parte visível de um derretido "iceberg" com que nos quiseram "zapaterizar", mas sem saberem tocar rabecão...

Os romances de cordel dos negociadores sem sono, por onde divagaram os agentes tecnocráticos da nossa cooperativa de gestores de um rotativismo de bonzos apenas demonstrou os tiques de vassalagem dos donos do poder e respectivos satélites...

Prefiro recordar as últimas denúncias de Saldanha Sanches, sobre os oposicionistas que se ensalivaram com as perspectivas de imediato acesso ao poder, sobre as redes de vassalagem e o sobre conúbio dos "papa-reformas"... Alguns até vão à televisão discursar sobre a autenticidade, sentados em cargos e cargos, com que acumulam prebendas e donde distribuem honrarias.

Os tratados firmados pelos náufragos deste "rebus sic stantibus", por menos tecnocráticos e por mais competentes que tenham sido os plenipotenciários apenas foram rascunho que outras canetas corrigiram, em nome de um guião iluminado pela cegueira dos controladores dos cordelinhos da hierarquia das potências da Europa...

Os mesmos que permitiram a casa roubada não sabem agora que trancas pôr na porta, apesar de terem posto um socialista francês no FMI e Constâncio a substituir o grego das estatísticas helénicas, como vice-presidente do condecorado Trichet. O problema está nos bastidores de Paris e de Berlim e nos que lhes dizem porreiro, porque não lhes deixam dizer mais nada.

O rolo compressor do politicamente correcto desta europeização criou um falso super-Estado europeu, onde os eurocratas, em defesa dos respectivos privilégios, movem processos inquisitoriais a todos quantos os criticam, impedindo que a Europa seja a necessária democracia de muitas democracias...

Os papa-reformas do Leviathan eurocrático são como os colaboracionistas de Napoleão e de Bismarck: usurparam o sonho e apenas sabem fazer contas de merceeiro. Não compreendem que o belo projecto que pode ir da ilha do Corvo a Vladivostoque não deve continuar com estes gestores do carreirismo e do neofeudalismo patrimonialista.

16.5.10

Ana (1966-2010). Foi há três meses.


Foi há três meses. Entre a terra e o céu, és o eixo que nos une ao mais além. És a alma e o ânimo, que se elevou, destruindo o que é inferior. E contigo, sempre, em ascensão, vais abrindo o caminho para o superior. Ascendeste, mas estás aqui, no amor que é eterno.

Da crise a uma nova concepção de vida. De Teresa Vieira



A história tem-nos ensinado que os movimentos inovadores, nascem das crises e sobretudo quando estas atingem o máximo.

Não descodifico o máximo já que é uma realidade aferida de modo diferente face às circunstâncias de cada um. Ainda assim, já li o quanto as crises nos ensinam a dizer esperança.

Talvez seja necessária uma determinada crise para que o homem se consciencialize da impossibilidade de continuar a vida em que estava.

Em todas as situações de angústia a vida na cidade torna-se mais imprópria para ser vivida do que a vida no campo. Na cidade ou se inova ou a falta de ar asfixia.

No campo, talvez porque nunca se perdeu o contacto com a grande Mãe-Natureza, os imensos ensinamentos dela, deram, a quem os entendeu, a coerência e o grau de paz que impedem mais facilmente o desespero, inovando-se a cada dia enquanto se aguarda o tempo do semear e do colher.

Curiosamente, as profundas crises também expõem o medo terrível do nada. Exprimem o próprio medo do silêncio, o medo de estar sozinho, o que é diferente do medo da solidão.

Tudo isto é levado a um forte extremo já que o homem da cidade, particularmente este, nunca está consigo, nem para si próprio tem disponibilidade. Então como pode ter disponibilidade para produzir amor? ou para ver uma estrela no céu? Será difícil, digo, que a razão que rodeia os atordoamentos do homem da cidade, possam atentar a estas realidades.

Depois há o oportunismo do ou vens jogar à batota comigo ou…

Parece que o homem que se queixa abertamente de tudo e a todos, tem mais impacto com a pena que inspira do que aqueles que pela dignidade própria e alheia, cuidam que o silêncio seja correctamente interpretado.

É horrível, mas muitos são os exemplos de quem, de tão nada ser, precisa de denegrir os outros para obter graus de satisfação doentia e, de preferência, monetariamente rechonchudos.

Sempre disse que de nada vale ser oficial por grau académico se inimigo do fundo das coisas.

E aí estamos noutra crise gerada também pelo nanismo intelectual que acima referimos: ou seja, pela via da desonestidade que vai tendo êxito, se o próprio que a pratica se salvar, enterrando vivo, não importa quem.

Há que contar com a mediocridade de quem aprecia estas posturas e, repita-se, o quanto Marx dizia que realmente o grande problema do homem era a diferença entre a essência e a existência.

O homem pode até ter uma certa essência, mas ai que raramente consegue tornar a existência igual à essência.

Acreditamos que o sistema de carência nutricional a nível da razão da ética e da moral tem sido o que leva ao fenómeno da bulimia tão presente nos dias que correm.

A mesquinhez do dizer mal canalizado na água corrente, satisfaz a sede dos ratos que pululam na dissimulação do mal que fazem, sob a capa de celestiais seres que afinal, muitas vezes, de jeito impune entopem o futuro e queixam-se das crises como se não se descobrisse nunca o seu grau de culpabilidade imensa.

Todos conhecemos alguém que, pleno de mérito, lhe faltou a dada altura da vida o essencial à sobrevivência e, todos sabemos quantos não o auxiliaram no mais premente dos segundos dos dias, e quando estes não davam sequer pelo nome de crise, mas antes pelo nome de mundo de onde o verbo dever se tinha ausentado.

O verbo dever é, para muitos, o pior verbo que há, até porque implica uma regra. Note-se.

E como quase todos conhecemos já alguém na situação acima descrita, já quase todos fomos capazes de abandonar outrem com uma inclemência que não sustenta muitas das palavras que agora querem pronunciar acerca da crise actual.

De facto, não receio que quem só coma pão, possa ter de comer menos pão. Antes todos nos devemos envergonhar se permitimos que até hoje alguém só comesse pão, ou nem isso.

Este momento deve ser vivido também como um momento de profunda renovação interior. Muitos foram os erros que se cometeram e que se permitiram ou mimetizaram para que chegássemos a este tipo de crise.

A festa da abundância de valores festeja-se na comunhão da solidariedade.

As crises também só se ultrapassam em comunicação dos homens entre si. Recordemos a frase de Saint-Éxupery que diz: «Nós que cultivamos a amizade entre os homens, os pequenos encontros transformam-se, por vezes, em festas maravilhosas.»

As pessoas do mundo de Éxupery não são gente de roleta, são gente do tipo humano.

São gente que não sente gulas a não ser a que as leva ao esforço por se melhorarem. Aquelas, que levam também na crise em que estamos inseridos, a que todos possam vir um dia a compreender o que revelavam as palavras de Fernando Pessoa: «Quando olho para o meu prato vejo a natureza toda como um jardim, como se fosse uma pintura da natureza dentro do prato.»

Talvez depois, talvez quem sabe? com a desintoxicação do espírito e o alívio de muitos tipos de fome, a emanação do homem possa dar uma outra dimensão à vida.

Jean Delumeau afirmou que « a história antes de mais individualiza o “iceberg”ao descobrir a realidade dos extractos sociais que não contavam, mas que eram fundamentais aos equilíbrios.» enquanto um dos meus heróis da Literatura – Ítalo Calvino – apontava a necessidade da chamada participação ideológica de maturidade.

Em rigor, a história tem-nos ensinado que os movimentos inovadores, nascem das crises e acredito que só com novos valores teremos uma nova economia.

E ainda acrescento que só se deveria construir o mundo a partir dos traços do novo.

M. Teresa B. Vieira

16.05.10

14.5.10

Mais um discurso sem Santo António nem peixinhos, à beira do poço onde fomos ao fundo


Em memória de José Luís Saldanha Sanches


Pedro Passos Coelho pede desculpa a quem tem de pagar a presente ditadura da incompetência, onde mandam os bonzos que se assumem como representantes das principais multinacionais partidárias, ao serviço do directório da nova hierarquia das potências geofinanceiras e do respectivo ocultismo, gerido pelo eixo franco-alemão.

Portas fala em bombardeamento fiscal e não se recorda de ter fundado aquele PP de Manuel Monteiro, o que foi expulso do PPE por ter discursado sobre a preferência de produtos de origem nacional, como agora proclamou o senhor Presidente da República.

Cavaco continua a gestão dos silêncios, está em espiritualidade e em tolerância de ponto, nesta semana de banhos místicos de multidão, com 65 000 no estádio da águia e 100 000 na Rotunda, entre saudações a Jesus e esquecimento dos cem anos da ousadia de Machado Santos. Manuel Alegre não diz nada. Está entalado entre a coca-cola de Sócrates e os filetes ideológicos de Louçã.

Apenas apetece recordar Carl Schmitt e o seu decisionismo. Soberano é o que decide em estado de excepção. Ou Thomas Hobbes, lançando o Leviathan como "salus populi, suprema lex". O resto é literatura de justificação, plena de metáforas celestiais, mas com nada de institucionalismo.

O governo é Sócrates sozinho numa jantarada em Bruxelas. E o parlamento, mera caixa de ressonância de uma reunião entre Sócrates e Passos, onde vamos ter uma revirada unidade técnica de acompanhamento orçamental que até deveria ser presidida por Medina Carreira. A verdadeira sede de poder já nem são os directórios partidários, mas o mesmo sítio onde foram os dois abusadores da posição dominante da partidocracia, na passada semana, não para receberem ordens, mas para obterem a "inside information" que aqui não chega...

A política é a arte do possível, sujeita à ditadura dos factos, porque, de boas intenções, está o inferno cheio. Logo, a pedra em que deve assentar toda a construção democrática é o respeito pela palavra dada, sobretudo a da promessa eleitoral. Vale-nos que Jesus Cristo não percebia nada de finanças.

A boa política não pode confundir-se com operações de lóbis, vendendo gato por lebre, ou proclamando novas fronteiras, quando apenas oferece pescada descongelada, aquela que antes de o ser já o era, através de uma eficaz operação de colocação de cirúrgicas fugas de informação, à mesma hora, à velha maneira da psico militar em actos de ocupação do vazio de povo...

Não se combatem incêndios florestais com bombeiros-pirómanos, mesmo que se recubram com o verniz de um federalismo sem dor, invocando a salvação da Europa e deste país, quando apenas querem conservar o que está e não o que deve ser, de acordo com a antiquíssima lógica do poder pelo poder. Um desceu nas sondagens para segundo lugar, pela primeira vez, outro parecia merecer os 40%, antes de se abrir o melão... Mas as modas podem passar de moda e Portas já deu o golpe do costume...

Entre o martelo dos tremendistas e a bigorna do não bebas coca-cola, eis a pretensa classe média, a dos remediadinhos, do sonhar é fácil, que, entre canhotos e endireitas, vai confirmando que chapéus há muitos, seu palerma! Logo, porque já não há fiado, fica o fatalismo do come e cala... Prefiro o adequado gesto do Zé Povinho, em nome da não resignação e do direito à indignação que me ensinaram os locatários de Belém, onde um terceiro também decretou que há vida para além do défice.

Antigamente, ainda havia a tradicional lógica do procurar o d'além para salvar o d'aquém, e assim, durante séculos, nos pusemos a mexer desta terra ocupada pela fidalguia sem competência e pela fradalhada sem autenticidade, com ambas as classes marcadas pelo dito do sapateiro de Braga, para quem não há moralidade nem comem todos. A nossa última ilusão imperial foi a integração europeia, entre as dores da passagem a salto, para lá dos Pirinéus, e as cerimónias do porreiro pá, recordando o betão dos fundos estruturais!

A santa terrinha já não é essse misto de aldeia da roupa branca com o pátio das cantigas, quando os vascos eram santanas. O jogo da economia da roleta, a sociedade das "slot machines", do euromilhões e das fundações do Stanley Ho. Tudo aquilo que essa guerra deu, essa guerra parece levar, sem trova do vento que passa, porque tudo o vento levou...

Entre os discursos do ministro da informação de Saddam Hussein e as venerandas palavras de Américo Tomás, dizem que o Titanic vai vencer os icebergs. Prefiro reconhecer que já ouvi um desses discursos sobre as vacas magras, antes de um regime cair por dentro, de apodrecido, quando as gaivotas esvoaçavam e os cravos pareciam viçosos...

Os tempos que passam, com tanto reumático contra o fantasma do reumático, cheiram demais aos tempos da outra senhora. Vivemos a maior crise dos últimos cem anos, mas, pior do que isso, foram os últimos quinze dias e nós, os campeões europeus do crescimento, apenas vamos ter mais impostos para ajudar a salvar a Europa e a moeda única! O pretenso federalismo sem dor, com obras ferroviárias e elefantes brancos, para outros especuladores, apenas reflecte o regresso às velhas ditaduras das finanças, não já domésticas, mas multinacionais, plenas de bruxaria e de navegação à vista, com a tal ciência pretensamente certa que invoca a certeza do poder absoluto e que não se importa com golpes de Estado constitucionais.

Por enquanto, disfarçam a pílula com encenações de bloco central, a que deviam dar o nome de união sagrada, quando Afonso Costa se entendeu com António José de Almeida, mas onde não entrou o Brito Camacho, chefe dos que se chamavam unionistas. Preferiu guardar o seu sidónio para o golpe dezembrista que foi pior emenda do que o soneto.